domingo, 20 de março de 2011

Nietzsche e o darwinismo: um ótimo tema para a retomada dos trabalhos

O Grupo Nietzsche da UFMG retomou seus trabalhos na sexta retrasada. Nosso primeiro encontro no semestre contou com a visita do prof. André Luis Mota Itaparica, da UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia). O prof. André Itaparica aceitou gentilmente nosso convite para discutir um artigo inédito de sua autoria sobre Nietzsche e o darwinismo, e ele o fez em pleno recesso de carnaval, razão pela qual o grupo lhe é duplamente grato. O artigo do prof. André sairá em breve em uma coletânea que reunirá as contribuições da sexta e mais recente edição do Assim falou Nietzsche, dedicada ao tema "Nietzsche e as ciências". O encontro aconteceu na Unirio, em novembro de 2009. A coletânea será editada pelo prof. Miguel Angel de Barrenechea e, caso não ocorra nenhum imprevisto, faremos o seu lançamento acadêmico em maio na UFMG.
Eu tomo a liberdade de reproduzir os dois primeiros parágrafos do artigo do André, que oferecem uma síntese das principais teses exploradas por ele e discutidas pelo grupo na tarde de sexta:

"Pode-se resumir a relação entre os pensamentos de Nietzsche e Darwin da seguinte maneira: Nietzsche compartilha com Darwin o projeto de uma naturalização da moral; afora esse ponto em comum, encontramos em Nietzsche uma recusa do darwinismo, que, como já se observou, ecoa a recepção de Darwin na Alemanha. Exemplo maior desse repúdio, no que diz respeito à moral, pode ser encontrado na Genealogia da moral, cujo alvo é a versão de Paul Rée das teses darwinistas. Entretanto, a força das objeções de Nietzsche a Darwin deve-se sobretudo à inclusão de Darwin no contexto de sua crítica geral à moral cristã, já que, no que diz respeito às suas críticas pontuais à teoria da evolução pela seleção natural, sua posição apresenta fragilidades, por revelar problemas de interpretação da teoria de Darwin, particularmente na compreensão de temas como a luta pela sobrevivência (struggle for existence), a teleologia e a sobrevivência dos mais aptos. Apresentaremos neste texto as críticas de Nietzsche, seus limites e acertos."

"A principal crítica de Nietzsche a Darwin baseia-se na compreensão de que o conceito central da teoria da evolução pela seleção natural seja o de luta pela sobrevivência. Entendida como principal causa para o surgimento das variações, ela promoveria, segundo a leitura de Nietzsche do darwinismo, a permanência e consequente descendência dos mais fortes, que passariam para a prole suas características. O ataque de Nietzsche a essa versão da seleção natural apresenta argumentos que chegam às seguintes conclusões: (2.1) A luta pela sobrevivência é uma exceção; (2.2) A vida caracteriza-se pela vontade de potência; (2.3) Não há teleologia no mundo orgânico; (2.4) A tese darwinista é produto da moral cristã." (André Itaparica. Darwin e Nietzsche: Natureza e Moralidade)


Nietzsche procurou submeter o darwinismo, pelo qual ele nutria sincera admiração enquanto um dos principais acontecimentos científicos de seu século, a duas sortes de subordinação. Ambos os movimentos podem ser ilustrados por duas passagens do Livro V de Gaia Ciência. No aforismo 349, intitulado "Ainda a procedência dos eruditos", Nietzsche afirma que ênfase darwiniana na "doutrina incompreensivelmente unilateral da 'luta pela existência'" é tributária do princípio spinozano da autoconservação; no aforismo 357, intitulado "Acerca do velho problema: 'O que é alemão?'", o alvo é a própria noção de evolução, que Nietzsche considera tributária do hegelianismo e como uma das provas do triunfo de Hegel sobre o século XIX. Ele encerra a sua sugestão com a notável formulação: "pois sem Hegel não haveria Darwin". Com isso Nietzsche não está sugerindo que Hegel forneceu inspiração direta para as ideias de Darwin, mas que o hegelianismo preparou os espíritos para a aceitação do darwinismo, ao modo de uma transição sem sobressaltos. Esta dupla subordinação do científico ao filosófico e a tendência a discutir o darwinismo ora em termos muito abstratos (questionando suas suposições mais elementares), ora em termos de suas implicações morais torna árdua a tarefa do intérprete de Nietzsche quando este se vê na necessidade de responder à questão aparentemente banal de em que medida o filósofo alemão compreendeu corretamente as posições de Darwin. Esta questão deveria ser decidida previamente, antes que pudessemos passar à avaliação da pertinência das críticas que Nietzsche dirige ao darwinismo. O prof. André Itaparica se alinha à tese que poderíamos chamar de hegemônica entre os intérpretes de Nietzsche. Esta tese afirma que Nietzsche não teve uma compreensão satisfatória das posições de Darwin, e que isso pode ser depreendido do tipo de crítica que ele formula contra estas posições, além de ser corroborada pelo fato de Nietzsche não ter tido quase nenhum contato direto com a obra de Darwin, se é que teve algum, e se informado sobre suas posições através, principalmente, da recepção alemã: F. A. Lange, E. von Hartmann, Rütimeyer, Haeckel, Nägeli, Roux, Rolph, Espinas, Schneider, Caspari, Liebmann foram algumas de suas fontes indiretas sobre o darwinismo. Este último fato não permite um argumento conclusivo a favor da tese, e isso foi alegado por um dos estudos recentes sobre o tema e que pretende rever este consenso. Trata-se do livro de Dirk Johnson: Nietzsche´s anti-Darwinism, que é em parte uma resposta a dois estudos publicados também recentemente em língua inglesa: o primeiro deles é o estudo filologicamente exaustivo de Gregory Moore: Nietzsche, Biology and Metaphor; e o segundo o livro de caráter mais especulativo de John Richardson: Nietzsche´s New Darwinism. Pelo nível da polêmica e a qualidade dos argumentos de ambas as partes, podemos concluir que a questão não será resolvida tão cedo. Nosso posicionamento dependerá em boa parte do modo como nós descrevemos ou entendemos o que está em jogo numa disputa intelectual em que um dos lados é um filósofo e não pretende se posicionar senão como filósofo e o outro lado é um movimento científico que em menos de duas décadas se converteu em tema de debate obrigatório em todos os ambientes intelectualmente ativos. Há, além desta assimetria, um outro fator importante que foi destacado pelo prof. André Itaparica durante nossas discussões: a dificuldade de descrever com precisão a posição de Darwin sobre um tópico específico de sua doutrina, já que ele era muito cauteloso em suas formulações.

Uma outra cautela talvez seja necessária para entendermos a atitude de Nietzsche em relação ao darwinismo: é prudente referir os seus proferimentos ao contexto em que eles são feitos. Nas obras de juventude, por exemplo, Nietzsche afirma que considera o darwinismo verdadeiro, mas fatal (Segunda Extemporânea, 9; KSA, 1, p. 319) e com consequências nefastas (cf. KSA, 7, p. 461). Esta conclusão só pode ser compreendida à luz de seu compromisso de juventude com o idealismo prático. É em nome deste compromisso que ele ataca, por exemplo, um autor como David Strauss, que pretende conciliar o darwinismo com os valores humanistas do classicismo de Weimar e com as aspirações burguesas e liberais da segunda metade do século XIX. Esta disposição para o compromisso irrita bastante o jovem Nietzsche e ele insiste que nada duradouro em termos de cultura pode ser edificado sobre uma base tão heterogênea. A ilusão de que isso é possível advém de uma compreensão superficial das necessidades da cultura por um lado, e de uma cegueira em relação às reais implicações do darwinismo, que inviabilizam o que para o jovem Nietzsche ainda se apresenta como imprescindível: um tipo de justificativa metafísica para a existência. Independente das mudanças na compreensão de Nietzsche do darwinismo (o que devemos supor que ocorreu tendo em vista o volume de leituras que ele realizou sobre o tema ao longo dos anos subsequentes), uma coisa é certa: ele inverte a avaliação das consequências práticas do darwinismo nas obras do último período. O darwinismo não é mais visto como uma ameaça à cultura em função da radicalidade com que ele nos obriga a rever a nossa auto-imagem; ele é criticado justamente por não romper suficientemente com os princípios teóricos e práticos que definem esta auto-imagem.

Em relação aos debates pontuais envolvendo o tema Nietzsche e o darwinismo, o mais árduo e interessante diz respeito à legimitidade ou não de se admitir juízos de conformidade a fins (ou juízos teleológicos) como parte de nossas teorias acerca dos seres vivos. Este debate exige uma reconstrução que tem seu ponto de partida na Terceira Crítica de Kant e, no caso que nos interessa, é bom lembrar que este foi o tema sobre o qual Nietzsche, aos 24 anos, pensou escrever uma tese de doutoramento. Ele tomou notas de diversos autores e chegou a algumas formulações próprias sobre o tema. Além de revelar uma notável disposição para dissolver o conceito de espécie e mesmo de indivíduo em um nominalismo sem precedentes em termos de radicalidade, Nietzsche sugere que a distinção entre juízos determinantes e juízos reflexivos, ou entre juízos que estabelecem nexo causal entre eventos e subsumem o particular em uma lei geral e juízos que expressam conformidade a fins são ambos igualmente construídos com base em categorias ficcionais, o que faria desta oposição menos uma oposição epistemicamente fundada do que um resíduo dogmático do kantismo. Em face deste radicalismo de juventude, há que se perguntar por que o Nietzsche maduro volta a insistir na acusação de que o darwinismo se mantém refém de uma perspectiva teleológica na explicação dos fenômenos biológicos. De resto, permanece uma questão em aberto se a biologia pode de fato prescindir de juízos teleológicos em suas explicações. Se seguirmos os desdobramentos da biologia pós-kantiana, o que descobrimos é que há dois modelos complementares e em alguma medida concorrentes de teleologia: a chamada teleologia interna, que responde pelo funcionamento do organismo e sua relação com suas partes constituintes (elemento destacado por Kant) e a teleologia externa (que responde pelo fenômeno da adaptação do organismo ao seu meio ambiente (e que anteriormente a Darwin era o locus privilegiado do aproveitamento teológico do fenômeno da vida). Parte da revolução darwiniana consistiu em oferecer uma explicação para os fenômenos da adaptação que a resgatava da apropriação teológica, na medida em que prescindia do argumento do design inteligente. Mas ao fazer este movimento, Darwin deslocou a ênfase da explicação biológica para os chamados fatores externos; se há espaço ainda para a teleologia interna, ela estará subordinada às estratégias adaptativas (sobre este debate eu recomendo o artigo do prof. Gustavo Caponi, da UFSC, que pode ser lido na íntegra aqui, com a cortesia da Scientiae Studia). A questão que nós nos colocamos, e com a qual eu encerro esta resenha de nossa discussão na sexta é a seguinte: Nietzsche, ao insistir na crítica de que o darwinismo confere um peso indevido aos fatores externos em detrimento dos fatores endôgenos, revelando com isso sua ascendência propriamente inglesa, não teria permanecido ele mesmo aprisionado em uma dicotomia entre o externo e o interno que sua doutrina mais abrangente da vontade de poder não mais autorizava?





Da série: uma carta aos domingos

A carta que preparei para este domingo remete a um traço da personalidade filosófica de Nietzsche ao qual fiz referência em outros posts deste blog: trata-se da disposição reformista. Esta carta corrobora uma tese que não me parece controversa, ainda que ela não receba sempre o devido destaque por parte dos intérpretes de Nietzsche: esta disposição reformista, assim como o ativismo que a caracteriza são traços marcantes desta complexa personalidade filosófica em formação, mas que só se tornam visíveis à medida em que os laços com Wagner e a identificação com a causa wagneriana se intensificam, o que ocorre com bastante rapidez após o primeiro contato, em novembro de 1868. Nos póstumos do início da década de 70 podemos identificar duas tendências importantes na reflexão de Nietzsche sobre a viabilidade de uma reforma da cultura: (1) a primeira delas entende que a filosofia terá um papel subordinado nesta reforma, e que caberá à arte o papel de protagonista; superestimar o papel da filosofia e desconsiderar o papel da arte teria sido o grande erro de Platão, a quem o jovem Nietzsche já atribui a ambição de se tornar legislador em uma reforma do estado grego rumo a uma constituição pan-helênica; (2) a segunda tendência conflita diretamente com a primeira, na medida em Nietzsche sugere que em uma cultura mais robusta, como foi a cultura grega em seu período trágico, a filosofia poderia ocupar o papel que na modernidade parece caber exclusivamente à arte. Um dos fios condutores dos estudos de Nietzsche sobre os filósofos pré-platônicos, talvez o grande fio condutor destes estudos, é o esforço de pensar a viabilidade prática da filosofia (como um componente da cultura) em um contexto cultural não marcado pela hipertrofia de um de seus elementos (o político, o cognitivo, o religioso ou o mítico). Nietzsche entende que os filósofos pré-platônicos são únicos porque eles viveram em um período em que havia um relativo equilíbrio entre estes componentes. Mas ao mesmo tempo Nietzsche identifica em vários destes filósofos o desejo de impor à Grécia uma reforma na direção de um estado pan-helênico. No estudo sobre os filósofos pré-platônicos Nietzsche diz com todas as letras que numa época mais robusta caberia ao filósofo o papel de grande protagonista do projeto de reforma da cultura, e é neste contexto mais favorável que ele se dispõe a pensar o valor do filósofo e seu lugar na hierarquia das formas de vida. Eu entendo que esta é uma das razões de porque a leitura que Nietzsche faz em Tribschen de uma das versões de seus estudos sobre estes filósofos tenha provocado em Wagner uma reação tão negativa (conferir o texto introdutório do prof. Ernani Chaves, assim como a carta traduzida por ele e publicada neste blog algumas semanas atrás). Subliminarmente, Nietzsche colocava em xeque a visão que o mestre defendia sobre as condições para a reforma da cultura e a atibuição ao artista do papel de protagonista absoluto.
A reação de Wagner não foi, contudo, a razão principal que levou Nietzsche a uma conclusão pessimista em relação à eficácia política do empreendimento reformista conduzido pela filosofia. Suas notas sobre os filósofos pré-platônicos assumem um tom mais pessimista conforme avançamos rumo à segunda metade dos anos 70, em um movimento que coincide com seu progressivo afastamento do projeto wagneriano: a perda das ilusões reformistas do jovem Nietzsche atinge tanto a sua esperança quanto ao presente quanto as suas convicções acerca do passado grego e parecem dar lugar a uma crescente suspeita de que o fracasso da filosofia no passado lança uma luz dolorosa sobre as esperanças do presente, desmascarando-as como meras ilusões. Este sentimento se confirma em 1876, na grande decepção com o evento de Bayreuth. Mas o afastamento de Nietzsche de suas ambições reformistas de juventude não se deve apenas a este conjunto de reflexões acerca da viabilidade e do papel político da filosofia e da arte. Ele ocorre também, eu até diria principalmente em função de uma nova e crescente demanda pessoal por liberdade e por recolhimento. Ou, como Nietzsche diria, por uma necessidade pessoal de resfriar a máquina superaquecida pelos anos de proximidade de Wagner e de Schopenhauer, com os quais o jovem filósofo compartilhou o gosto por uma atmosfera de exaltação e de entusiasmo constantes. Em outra ocasião eu chamei a atenção para o fato de Nietzsche citar Montaigne justamente nas duas considerações extemporâneas que tratam de seus dois grandes mestres, Schopenhauer e Wagner. Estas citações são o que há de mais revelador sobre o estado de espírito de Nietzsche ao compor estes dois escritos apologéticos, e para bom entendedor elas deveriam soar como uma grande traição aos seus objetos de veneração, pois nelas o que é dito sobre Montaigne contradiz inteiramente e ponto por ponto o que se diz de forma mais prolixa no restante do texto.
Isso não significa que o traço reformista e o ativismo tenham sido deletados da personalidade filosófica de Nietzsche. O que ocorre no período intermediário é um afastamento temporário destes componentes de sua personalidade e, a se acreditar no depoimento do próprio Nietzsche, adotado para fins terapêuticos pelo seu impulso de sobrevivência e por sua vontade de independência. Estes elementos serão paulatinamente reintegrados ao todo de sua personalidade, até que eles finalmente se imponham no ainda mais ambicioso projeto de maturidade, que aparece sob a problemática rubrica de uma transvaloração de todos os valores. Nas ambições reformistas ou revolucionárias do último Nietzsche o artista não fará sombra ao filósofo, que comparece como o único à altura da tarefa de legislar novos valores. Que esta expressão ambiciosa tenha sido reservada para os póstumos parece indicar que mesmo o último Nietzsche não acreditou sem alguma reserva no poder de intervenção da filosofia. Para minimizar um pouco a sua enorme desconfiança em relação às condições de êxito da intervenção filosófica, Nietzsche parece ter adotado duas estratégias distintas: (1) passou a conceber esta intervenção em termos mais abstratos e numa perspectiva de longa duração: não se trata mais de reformar a cultura alemã ou suas instituições artísticas e educacionais, e sim os valores. No final das contas e no cômputo geral os homens da vida contemplativa terminam sempre por triunfar, sendo os homens de ação meros atores no palco tragicômico da história, atores que seguem um texto redigido pelos verdadeiros protagonistas, os filósofos e, no passado, os fundadores de religião. Os artistas são incapazes de independência e estão a serviço de causas postas por outros; (2) do ponto de vista de uma intervenção mais imediata, Nietzsche parece ter concentrado seus últimos esforços numa tentativa de demolir o cristianismo mediante o sequestro de seu fundador legítimo, desvinculando-o de todos os grandes dogmas pelos quais se pautou o cristianismo historicamente existente, e mediante um ataque impiedoso à figura de seu fundador institucional, o apóstolo Paulo, contra o qual Nietzsche mobiliza argumentos que remetem em parte a valores compartilhados pelos cristãos.
Este é o esboço geral do que eu suponho que sejam os desdobramentos futuros do que está em germe nesta carta de Nietzsche de dezembro de 1870 a Erwin Rohde. Há muitos outros elementos interessantes nesta correspondência, mas que são subsidiários disso que eu suponho que seja o seu ponto principal. Um destes elementos é um topos comum das discussões nietzscheanas: em que medida a filosofia, tal como concebida por Nietzsche, é compatível com a forma institucional do ensino universitário. Esta discussão não se restringe a Nietzsche; ela é uma velha obsessão de filósofos. A filosofia quase sempre esteve em crise com as instituições, e é disso que estamos falando ao longo deste post: parte importante do ímpeto reformista do filósofo se dirige às instituições. Mas é igualmente necessário lembrar que a filosofia não poderia sobreviver fora de todo e qualquer quadro institucional: fundar um monastério para espíritos livres (o projeto que Nietzsche já parece ter em mente como um substituto para a instituição universitária e que ganha uma pequena concretização na estadia de Sorrento em 1877) não é prescindir das instituições, mas substituir uma instituição enrijecida por outra com regras (uma vida sem regras e sem hábitos, sem alguma rotina, seria humanamente insuportável) mais adequadas às necessidades corporais e espirituais de seus membros, que permita um segundo tipo de reforma, este mais importante do que o primeiro, porque é o verdadeiro fim do primeiro: a reforma de si.

E antes da tradução propriamente dita, segue um link para aqueles que leem e entendem alemão. Um ótimo programa da Deutschlandfunk (uma estação de rádio alemã com programação de altíssimo nível) sobre o programa reformista de Nietzsche, com uma fina reflexão sobre a melancólica percepção de que ele estava condenado ao fracasso. O autor é o teórico da literatura e historiador da filosofia Peter Bürger. Segundo suas conclusões, Nietzsche pertence a uma linhagem de pensadores que teve em Adorno seu último representante.

Tenham todos um bom domingo.
Com vocês o jovem Nietzsche, mais uma vez.

Carta enviada por Nietzsche de Basel ao amigo Erwin Rohde em Hamburgo, datada de 15 de dezembro de 1870.

Meu querido amigo,

Sequer um minuto se passou desde a leitura de tua carta e já te escrevo. Queria dizer-te apenas isto: que sinto exatamente o mesmo que ti e que considero uma ignomínia se não nos desembaraçarmos algum dia deste torpor nostálgico por meio de uma ação enérgica. Agora ouça o que venho remoendo em meu espírito. Nós nos arrastaremos ainda durante alguns anos por esta existência universitária, e a tomaremos por um sofrimento instrutivo, que se tem que suportar com seriedade e com espanto. Entre outras coisas, este deve ser um tempo em que se aprende como ensinar, e aperfeiçoar-me nisso vale para mim como minha tarefa. Acontece apenas que eu me propus um objetivo algo mais elevado.

Pois com o tempo começo também a perceber qual é o ponto da doutrina schopenhaueriana acerca da sabedoria universitária. Aqui não é possível um ser inteira e radicalmente voltado para a verdade. Sobretudo, algo verdadeiramente revolucionário não poderá tomar a universidade como seu ponto de partida.

Nós só podemos, portanto, nos tornar verdadeiros mestres na medida em que formos capazes de alçar a nós mesmos, com todos os meios possíveis, para fora da atmosfera do tempo presente, e na medida em que formos não apenas mais sábios, mas sobretudo melhores. Também aqui eu sinto, sobretudo, a necessidade de ser verdadeiro. E também por isso eu não poderei suportar por muito mais tempo o ambiente das academias.

Por conseguinte, devemos nos livrar algum dia deste jugo; isto para mim é absolutamente certo. E então formaremos uma nova academia grega. Romundt com certeza estará conosco. Por ocasião de tua visita a Tribschen certamente tomastes conhecimento do plano de Wagner para Bayreuth. Eu tenho refletido comigo mesmo se não deveria ocorrer simultaneamente de nossa parte uma ruptura com a filologia, tal como ela tem sido praticada até o momento, e com sua perspectiva formadora. Estou preparando uma grande adhortatio [exortação] a todos aqueles que ainda não foram inteiramente sufocados ou engolidos pelo tempo presente. Mas quão lamentável é o fato de que eu tenha que expor-te estas coisas por escrito, e que cada um destes pensamentos já não tenha sido discutido contigo há muito tempo! E como não conheces o presente dispositivo na sua totalidade, meu plano provavelmente te parecerá um capricho excêntrico. Isto ele não é, ele é uma necessidade.

Um livro de Wagner sobre Beethoven que acaba de ser publicado poderá te dar uma pista de muito daquilo que eu agora espero do futuro. Leia-o, ele é uma revelação do espírito em que nós – nós! – viveremos futuramente.

E mesmo que tenhamos poucos companheiros que compartilhem de nossas ideias, eu ainda assim acredito que conseguiremos nos subtrair a esta corrente – com alguma perda, é claro – e alcançaremos uma pequena ilha onde não precisaremos mais tapar os ouvidos com cera. Seremos então mestres uns dos outros, e nossos livros não serão mais que anzóis destinados a conquistar este ou aquele para a nossa comunidade artístico-monástica. Viveremos e trabalharemos uns para os outros e nos deliciaremos uns com os outros – esta talvez seja a única forma sob a qual devemos trabalhar para o todo.

Para te provar a seriedade do meu intento já comecei a limitar as minhas necessidades, de modo a reservar uma pequena parte de meus bens. Também deveremos tentar a nossa “sorte” em loterias; e se escrevermos livros, eu exigirei para o período vindouro os mais altos honorários. Enfim, todos os meios não ilícitos serão empregados para que objetivamente estejamos em condições de fundar o nosso monastério. – Temos, portanto, a nossa tarefa para os próximos anos.

Que este plano possa, sobretudo, parecer-te digno de ser cogitado! A carta deveras comovente que acabo de receber de ti me dá a comprovação de que este era o momento de te expor o plano.

Não estaremos nós em condições de trazer ao mundo uma nova forma de academia,

“e acaso não posso, pela força do mais ardente desejar,

trazer de volta à vida das formas a mais singular?

como diz Fausto a propósito de Helena?

Ninguém sabe coisa alguma deste intento, e depende de ti se nós agora faremos ou não a Romundt um comunicado preparatório sobre o mesmo.

Nossa escola para filósofos não é, certamente, alguma reminiscência histórica ou um capricho excêntrico – pois não é uma necessidade que nos move nesta direção? Parece que o plano que fizemos quando estudantes, de viajarmos juntos, retorna sob uma nova forma, simbolicamente mais abrangente. Eu não pretendo ser aquele que mais uma vez te deixa na mão, como ocorreu outrora; disso eu ainda guardo remorsos.

Com as melhores esperanças

Teu fiel frater Fridericus.

De 23 de dezembro até 01 de janeiro estarei em Tribschen, Lucerna. – Ignoro inteiramente os planos de Romundt.





domingo, 13 de março de 2011

Da série: uma carta aos domingos

Aceitando o desafio proposto pelo Rogério aos colaboradores e leitores do blog, posto aqui uma “tradução caseira” de uma parte da correspondência entre Nietzsche e Peter Gast do ano de 1885 acerca de um livro publicado neste mesmo ano. Trata-se do livro do amigo de Peter Gast e conhecido de Nietzsche, Paul Widemann: Erkennen und Sein. Lösung des Problems des Idealen und Realen, zugleich eine Erörterung des richtigen Ausgangspunktes und der Principien der Philosophie (Conhecimento e Ser. Solução do problema do ideal e do real, e uma explicação do correto ponto de partida e dos princípios da filosofia). A importância dessa correspondência me parece estar no fato de ela lançar uma luz na compreensão de alguns pressupostos teóricos envolvidos na tentativa de Nietzsche de provar cientificamente a tese do eterno retorno, assim como de alguns dos aspectos da sua posição com relação à interpretação mecanicista do mundo. Nietzsche e Peter Gast parecem concordar em quase todos os pontos mencionados na correspondência: impossibilidade de um estado de repouso no devir, indestrutibilidade da força ou da energia no universo, eternidade do tempo. Porém, um dos aspectos problemáticos das considerações de Nietzsche sobre o eterno retorno me parece ser o fato de encontrarmos, entre as premissas dessa tese, pressupostos teóricos que são em certa medida tributários de uma visão mecanicista do mundo, visão que Nietzsche pretende superar propondo um modelo puramente dinâmico. Alguns fragmentos póstumos que tematizam o eterno retorno são marcados por essa ambivalência. Eu me refiro aqui particularmente às considerações de Nietzsche sobre o espaço. Dentre as críticas de Nietzsche ao mecanicismo encontramos a negação de um espaço real, isto é, Nietzsche parece defender a tese de que o espaço é um construto da representação, uma “forma subjetiva”, ao contrário do tempo. Nossa representação do espaço seria, em última instância, dependente da nossa representação da matéria como substância extensa. Mas entre as premissas da tese do eterno retorno encontramos a afirmação de um espaço real, finito e determinado, apesar do conceito substancialista de matéria ser rejeitado. Se atentarmos à fórmula apresentada por Peter Gast na última carta citada aqui (que parece corresponder também à posição de Nietzsche), a negação da matéria deveria implicar a negação do espaço, ou seja, um modelo puramente dinâmico de forças deve ter por base uma dimensão puramente temporal. A questão que se coloca é se a tese do eterno retorno, considerando-se seus pressupostos teóricos, é ainda tributária de uma certa interpretação mecanicista do mundo (no sentido em que Nietzsche a compreende). Esse parece ser o caso, especialmente se levarmos em conta a carta de Nietzsche a Peter Gast que segue abaixo (alguns fragmentos póstumos da década de 80 também corroboram essa suspeita). A forma como avaliamos o estatuto da tese do eterno retorno no interior da filosofia de Nietzsche pode depender de como respondemos a essa questão.

Claro que o pano de fundo teórico sobre o qual Nietzsche tentou desenvolver uma prova científica do eterno retorno é muito mais amplo do que o apresentado nessas breves considerações e envolve um importante diálogo com a termodinâmica da época. Uma análise detalhada desse diálogo se encontra em Abel, G. Die Dynamik der Willen zur Macht und die ewige Wiederkehr e em Mittasch, A. Friedrich Nietzsche als Naturphilosoph. Abel defende que a tese do eterno retorno não envolve pressupostos mecanicistas. Mittasch, ao contrário, vê em alguns aspectos da tese uma recaída ou uma manutenção de premissas teóricas tributárias de uma visão mecanicista.

Uma última observação: na versão citada por Mittasch, em seu livro, da segunda carta postada aqui (a carta de Nietzsche a Peter Gast), ao invés de “minha interpretação mecanicista do mundo” (meiner mechanistischen Weltausdeutung), segundo KGB III/3, p. 69, consta “uma interpretação mecanicista do mundo” (einer mechanistischen Weltausdeutung).


Trecho da carta de Heinrich Köselitz (Peter Gast) à Nietzsche de 7 de julho de 1885, KGB III/4, p. 35:

O senhor recebeu o livro de Widemann? Ele não é escrito com uma energia descomunal do pensamento? Eu ainda não encontrei disposição para uma leitura propriamente dita, eu apenas folheei-o. A infinitude do tempo é questionada, até onde vejo. Na p. 151 encontramos até mesmo uma descrição do estado da matéria na atemporalidade: toda força em equilíbrio! em um bloco de matéria! Cada partícula desse bloco, porém, sofre e exerce uma pressão diferente da outra. E caso um equilíbrio da força, um estado de repouso, permanência, atemporalidade, fosse realmente possível, nesse caso precisamos de um primum movens. Indestrutibilidade da força significa para mim eternidade da força, eterna impossibilidade de um equilíbrio termodinâmico, estado do qual não poderíamos mais sair.


Resposta de Nietzsche à Peter Gast, trecho da carta de 23 de julho de 1885, KGB III/3, p. 69.

O pensamento que você manifesta com relação ao senhor Widemann me é muito bem-vindo: envie-lhe um exemplar [do Zaratustra] de tal forma que também meu interesse e simpatia sejam visíveis, como uma forma de cumprimento pela conclusão de sua obra. Eu não a conheço: o que você menciona sobre “estados de equilíbrio” e “indestrutibilidade da força” pertence também aos meus artigos de fé. Mas nós temos Dühring contra nós: por acaso eu acabo de encontrar essa bela frase: “o estado originário do universo, ou dito mais claramente, de um ser imutável da matéria, que não comporta nenhuma agregação temporal de diversidades, é uma questão que somente um entendimento que vê na mutilação de sua força gerativa o ápice da sabedoria pode rejeitar”. Esse “maquinista” berlinense nos toma, pois, meu caro amigo, por castrati: ao menos eu espero que nós tenhamos uma reparação por tal carência no fato de nós “cantarmos de forma mais bela” que o senhor Dühring. Eu não conheço tom mais asqueroso que o seu. - Que eu considero o espaço “finito”, isto é, configurado de forma determinada, como irrecusável no sentido da minha interpretação mecanicista do mundo, e que a impossibilidade de um estado de equilíbrio me parece estar associada à questão de como o espaço global é configurado – certamente ele não é esférico! - isso eu já lhe disse pessoalmente.


Resposta de Peter Gast à Nietzsche, trecho da carta de 29 de julho de 1885, KGB III/4, p. 42-43.

Nesse meio tempo o senhor terá recebido o livro de Widemann, ele me escreveu dizendo que tomara a liberdade de lho enviar. Eu acredito que é mais por amor a uma simetria que ele se atém à finitude do tempo (como à finitude do espaço.)* / * Sua simetria é: espaço = finito / tempo = finito, / mas ela provavelmente deve ser a seguinte: espaço = indissociável da matéria (mit der Materie unaufheblich) / tempo = indissociável da força (mit der Kraft unaufheblich). / Espaço e tempo são, naturalmente, meros atributos da matéria e da força, e não existem sem estas: toda força e toda matéria em equilíbrio, em repouso, seria a atemporalidade, ausência de mudança. Eu havia escrito a Widemann minhas objeções contra seu tempo finito, o que pra mim significa: contra a cessação da força. Ele me disse, ao contrário: que eu poderia facilmente imaginar a força em equilíbrio, a saber, estaticamente. Equilíbrio da força não seria de modo algum equivalência das funções de todas as partes (daquele bloco), mas sim o repouso de todas as partes no todo, como por exemplo no caso de uma balança em repouso. Conservação da força não significaria de forma alguma impossibilidade de equilíbrio; pois peso ou coesão e afins seriam também forças e admitiriam muito bem equilíbrio, isto é, repouso. Sendo assim: o tempo existiria, antes, apenas como velocidade do movimento. Todo movimento, porém, tende ao repouso e precipita-se rumo a um ponto de repouso.

Mas eu, pobre diabo, não percebo aquele repouso estático como repouso. Uma balança, uma arcada são para mim substâncias que estão ininterruptamente trabalhando e se modificando internamente. Aquele bloco do qual Widemann fala na p. 151 me parece absolutamente impossível.

domingo, 6 de março de 2011

Da série: uma carta aos domingos

Hoje deixo à curiosidade dos nossos leitores especular sobre o significado desta carta de Nietzsche ao amigo Carl von Gersdorff, enviada de Naumburg em 07 de abril de 1866. A tradução é uma primeira versão, provisória e caseira, e não traz a carta na sua íntegra, mas apenas os trechos que considero mais significativos.
Acredito que esta carta nos revela um traço marcante da personalidade filosófica de Nietzsche (um traço que ainda não havia aparecido nas cartas anteriores que publicamos no blog) , e que este traço se insinua tanto na contramão quanto à revelia da atmosfera e do vocabulário próprios à filosofia de Schopenhauer, de quem Nietzsche se confessa neste momento um ardoroso e, em alguma medida, atormentado discípulo. Com vocês uma vez mais o jovem Nietzsche. Um bom final de carnaval a todos.
Rogério.

Carta enviada de Naumburg em 7 de Abril de 1866, ao amigo Carl von Gersdorff, em Görlizt. (KSB, 2: p. 119-123)

Querido Amigo:

Ocasionalmente somos tomados por momentos de uma serena contemplação, nos quais planamos acima de nossa própria vida, com um misto de alegria e tristeza, como aqueles belos dias de verão, que se estendem ampla e aprazivelmente sobre as colinas e cuja excelente descrição encontra-se em Emerson; e então a natureza atinge a sua plenitude, como ele diz; e nós dizemos: e então nos tornamos livres do encanto da vontade sempre vigilante, e então somos um olho puro, contemplativo, desinteressado. É nesta disposição de espírito, a mais desejável de todas, que eu pego da pena para responder à tua carta, tão rica de pensamentos e tão amigável. [...]

Três são as minhas distrações, ainda que ocasionais: meu Schopenhauer, a música de Schumann e, finalmente, passeios solitários. Ontem se anunciava uma tremenda tempestade no céu, eu subi apressadamente até a montanha próxima, chamada “Leusch” (talvez você saiba me dizer o significado desta palavra), onde encontrei uma choupana e um homem que acompanhado do filho abatia dois cabritos. A tempestade desabou violentamente, em meio a ventania e granizo; eu senti uma incomparável exaltação e percebi com clareza que nós só compreendemos bem a natureza quando nos refugiamos junto a ela, longe de nossos cuidados e apuros. O que era para mim o homem e seu atormentado querer! O que era para mim o eterno “Tu deves”, “Tu não deves”! Quão diferentes o raio, a ventania, o granizo, forças livres, sem ética! Quão livres e poderosas são tais forças, vontade pura, sem as turvações do intelecto! [...]

Hoje ouvi um engenhoso sermão de Wenkel sobre o Cristianismo, “a fé que sobrepujou o mundo”, de uma arrogância insuportável em relação a todos os povos que não são cristãos, mas ainda assim muito matreiro. A todo o momento ele substituía a palavra cristianismo por uma outra, resultando sempre em um sentido correto, mesmo para a nossa concepção. Quando se substitui a sentença “o cristianismo sobrepujou o mundo” pela sentença “o sentimento do pecado, em suma, uma necessidade metafísica sobrepujou o mundo”, então isso não tem para nós nada de escandaloso; mas é preciso ser consequente e dizer: “os verdadeiros hindus são cristãos”, mas também: “os verdadeiros cristãos são hindus”. Mas no fundo, a permuta de tais palavras e conceitos, fixados sabe-se lá quando, não é de todo honesta, pois os fracos de espírito se tornam completamente desorientados. Se o cristianismo significa “fé em um evento histórico ou em uma pessoa histórica”, então eu nada tenho a ver com este cristianismo. Se o cristianismo significa, contudo, tão somente necessidade de redenção, então eu posso estimá-lo sumamente, e sequer levarei a mal que ele procure disciplinar os filósofos; pois estes são muito poucos em comparação com a monstruosa massa dos necessitados de redenção, que de mais a mais são feitos da mesma matéria. Sim, mesmo que todos que se ocupam de filosofia fossem discípulos de Schopenhauer! Mas é com demasiada frequência que por trás da máscara do filósofo se oculta a alta majestade da “vontade”, que procura trabalhar para a sua própria glorificação. Se os filósofos governassem, então τό πλήτος [o povo] estaria perdido; se esta massa governa, como acontece agora, então competirá sempre ainda ao filósofo, raro in gurgite vasto [poucos no vasto oceano], τίχα άλλων [separado dos demais], como Ésquilo, φρονέειν [penso por conta própria].

Ao mesmo tempo, contudo, nos é extremamente penoso conter nossas ainda jovens e vigorosas ideias schopenhauerianas, exprimindo-as apenas pela metade e, para completar, ter sempre sobre o coração o fardo desta malfadada diferença entre teoria e prática. Para isso eu não sei de nenhum consolo; pelo contrário, sou eu mesmo necessitado de consolo. A mim me parece que deveríamos julgar o cerne da questão de forma mais branda. Pois ele se imiscui também nesta colisão.

Passe bem, querido amigo. Saudações aos teus. Lembranças da minha família. E ficamos acertados! Tão logo nos reencontremos haveremos de rir – e com razão.

Do amigo,

Friedrich Nietzsche.

terça-feira, 1 de março de 2011

Nietzsche e o ensaísmo

Para os interessados no tema e para os que se ocupam em pensar as contribuições de Nietzsche para a tradição do ensaísmo há uma boa oportunidade de publicar suas ideias no número que a bem conceituada Remate de Males dedicará a esta tradição. É importante que os pesquisadores de Nietzsche mantenham a tradição de boas relações com os debates literários. Não há ocasião mais oportuna do que esta. Eu aproveito a oportunidade para insistir na minha tese de que o gênero literário que Nietzsche pratica na maior parte das vezes e sobre o qual ele obteve domínio quase absoluto não é o aforismo no sentido técnico do termo, mas uma forma híbrida, que do ponto de vista argumentativo tem mais afinidade com o ensaio do que com as sentenças e máximas. Para os que desejam participar deste debate, as submissões vão até 15 de maio de 2011, conforme a Chamada para contribuições reproduzida abaixo:

Remate de Males - Chamadas para Publicação

A propósito do Ensaio.

O gênero literário que dizemos ter sido inventado por Montaigne conheceu uma história posterior cuja riqueza parece responder à natureza fecunda dos Essais. Não só o espectro temático se amplia, é a própria forma que se aclimata, graças a sua flexibilidade, aos ambientes culturais os mais diversos. Este cenário oferece um campo bastante vasto de reflexão, sobretudo no confronto entre o ensaismo e modelos mais rígidos e sistemáticos de escrita crítica e interpretativa. Da filosofia à critica literária, da França seiscentista à modernidade americana, com uma importante história britânica, o ensaísmo termina por reconquistar um interesse atual em vários domínios. De Hume a Adorno, e depois a Foucault, a filosofia se depara periodicamente com o desafio do modo ensaístico de reflexão. A ficção moderna abre espaços ao ensaio em seus autores mais representativos. Mesmo quando reivindica um lugar menor, entre o divertimento e o humorismo , o gênero pode produzir literatura de alto interesse. Lugar importante deve ser conferido, finalmente, ao ensaísmo literário, gênero que, no nosso país, nos deu escritores que participam do que de melhor produziu a prosa brasileira. Reflexões concernentes a esse amplo leque de questões poderão ser enviadas à Remate de Males até o dia 15 de maio de 2011, de acordo com as Diretrizes para Autores.

Temas sobre os quais serão aceitas contribuições: Montaigne e o gênero ensaístico; ensaio e filosofia; ensaios e gêneros afins: epistolografia, diálogo, autobiografia; ensaio e crítica literária; ensaísmo e ficção; ensaio e periodismo – ou temas correlatos.

Normas e procedimentos para a publicação disponíveis em:
http://www.iel.unicamp.br/revista/index.php/remate

E-mail para contato: remate@iel.unicamp.br