quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

As impressões do garoto Nietzsche sobre a noite de natal, em versão trilíngue.

Como despedida de 2011 gostaria de compartilhar com vocês um pequeno fragmento extraído do primeiro ensaio autobiográfico redigido por Nietzsche em 1858, na idade de 14 anos. O ensaio é intitulado Aus meinem Leben e pode ser lido na íntegra no vol. I da edição BAW, de Hans Joachim Mette (Frühe Schriften) ou no vol. I/1 da KGW, ou então aqui. Neste pequeno trecho do ensaio o garoto Nietzsche busca um registro literário de suas impressões da noite natalina. Quem tiver a curiosidade de ler o ensaio na íntegra perceberá que a reflexão de Nietzsche sobre as impressões da noite natalina procura associar estas impressões às impressões mais gerais evocadas (nele) pelas noites de inverno, que ele contrasta com as noites de verão (muito menos evocativas, segundo ele). As determinantes climáticas fornecem uma espécie de moldura para esta descrição de impressões que, considerada isoladamente, parece ater-se exclusivamente às condicionantes culturais presentes nesta noite impar para toda a cristandade.
O pequeno fragmento chamou a atenção do professor Giuliano Campioni, que o repassou na forma de um cumprimento natalino aos colegas da pesquisa Nietzsche (na versão italiana). O professor Ernani Chaves o encaminha a todos nós, com a gentil tradução para o português de Allan Davy Santos Sena (Mestrando em Filosofia pela UNICAMP). A todos eles o nosso muito obrigado. Este blog deseja a todos os seus leitores boas festas e um esplêndido 2011, e que cada um de nós possa querer aprender sempre mais a ver como belo aquilo que é necessário nas coisas, para assim nos tornarmos um daqueles que tornam belas as coisas. Amor fati, que seja este, de ora em diante o nosso amor. Com vocês o garoto Nietzsche em versão trilíngue, com os cumprimentos de nosso grande mestre, prof. Giuliano Campioni:

Cari amici
un pensierino di Natale del fanciullo Nietzsche che sempre aspettava con impazienza questa santa festività.
Chi avrebbe immaginato che il "piccolo pastore" sarebbe divenuto il filosofo dell'Umwertung?
UN ABBRACCIO E FELICI FESTE.
Campioni

(versão italiana)
La festa di Natale rimane la sera più felice dell'anno. Con gioia davvero traboccante io l'attendevo da gran tempo, ma negli ultimi giorni non stavo più nella pelle, contavo i minuti, e le giornate mi sembravano lunghe come mai durante l'anno. Una volta - questo è curioso –, in preda a una particolare impazienza, mi scrissi subito una lettera di Natale, trasportandomi addirittura con la fantasia in quel momento in cui la porta si sarebbe aperta e l'albero di Natale ci avrebbe abbagliati
sfavillante. In un piccolo saggio d'occasione così scrivevo: « Com'è magnifico l'abete che ci sta davanti con la cima ornata da un angelo, allusione all'albero genealogico di Cristo, la cui corona era il Signore in persona. Come risplendono i numerosi lumi, che rappresentano simbolicamente il chiarore nato tra gli uomini grazie alla nascita di Cristo. Come ci sorridono invitanti le mele rubiconde, che ricordano la cacciata dal Paradiso! E guarda! Alle radici dell'albero, Gesù bambino nella mangiatoia, circondato da Giuseppe e Maria e dai pastori adoranti! Che sguardi pieni di fede ardente gettano sul bambino! Voglia il Cielo che anche noi ci abbandoniamo con tale dedizione al Signore! » - - Quello del compleanno è un giorno simile, anche se non così splendido. Ma per quale ragione non ci sentiamo così pervasi di gioia come per il Natale di Cristo? In primo luogo, manca del tutto quell’alta significazione, che eleva questa festa al di sopra di ogni altra. E poi il Natale non riguarda solo noi stessi, bensì tutta l'umanità in generale, poveri e ricchi, grandi e meschini, illustri e oscuri. Ed è proprio questa gioia universale che aumenta quella nostra personale. Se ne può parlare con tutti, tutti gli uomini sono in certo modo uniti in una comune attesa. Si pensi poi alla sua collocazione, che rende il Natale per così dire il culmine dell'anno, si pensi a quell'ora notturna, quando l'anima è in genere assai più eccitata, e infine l'eccezionale solennità con cui questa festa viene celebrata. La festa del compleanno ha un carattere più familiare, mentre il Natale è la festa della cristianità intera. Con tutto ciò, io amo assai il mio genetliaco…
Friedrich Nietzsche (1858)

(versão portuguesa)
Tradução: Allan Davy Santos Sena (Mestrando em Filosofia, UNICAMP).

A festa de Natal é a noite mais feliz do ano. Durante um longo tempo, eu a aguardava com alegria realmente transbordante, mas nesses últimos dias, eu já não estava mais agüentando, contava os minutos, e os dias me pareciam longos como nunca. Uma vez – isso é curioso – tomado de uma impaciência particular, escrevi subitamente uma carta de Natal, transportando-me inteiramente para a fantasia daquele momento em que a porta seria aberta e a árvore de Natal cintilaria de maneira deslumbrante. Assim escrevi em um pequeno ensaio na ocasião: “Como é magnífica essa árvore com o cume ornado com um anjo, alusão à árvore genealógica de Cristo, cuja coroa é o Senhor em pessoa. Como resplandecem as numerosas luzes, que representam simbolicamente a chama nascida entre os homens graças ao nascimento de Cristo. Como nos sorri tentadoramente as maçãs vermelhas, que lembram a expulsão do Paraíso! E olha! Na raiz da árvore, o menino Jesus na manjedoura rodeado por José e Maria e os pastores em adoração! Que olhar pleno de fé ardente lançam sobre o menino! Queira os céus que nós também nos abandonemos com tal devoção ao Senhor!” – – O dia de aniversário é um dia semelhante, embora não tão esplêndido. Mas por qual razão não nos sentimos tão repletos de alegria como pelo dia de nascimento de Cristo? Em primeiro lugar, falta toda aquela grande significação, que eleva essa festa acima de todas as outras. Em seguida, o Natal não diz respeito apenas a nós mesmos, mas a toda a humanidade em geral, pobres e ricos, grandes e pequenos, ilustres e desconhecidos. E é próprio desta alegria universal aumentar a nossa pessoal. Ela pode falar a todos, todos os homens são de certo modo unidos em uma expectativa comum. Pense, em seguida, em sua localização, que torna o Natal, por assim dizer, o ponto culminante do ano, pense naquela hora da noite, quando a alma está em geral muito mais animada, e enfim a solenidade com que esta festa é celebrada. A festa de aniversário tem um caráter mais familiar, enquanto que o Natal é a festa da cristandade inteira. Contudo, eu amo bastante o meu aniversário...

(Friedrich Nietzsche, 1858, aos 14 anos).

E, finalmente, a versão original alemã:

Aber doch bleibt das Weihnachtsfest der seligste Abend des Jahr[es]. Mit wahrhaft überseliger Freude harrte ich schon lange darauf aber die letzten Tage konnte ich kaum mehr warten, Minute für Minute verging und so lang kamen mir die Tage wie im ganzen Jahre nicht vor. Eigenthümlich war, daß, wenn ich ein mal rechte Sehnsucht hatte, mir alsbald einen Weihnachtszettel schrieb und mich dadurch förmlich in den Augenblick hineinversetzte, an dem sich die Thür öffnete und der leuchtende Christbaum uns entgegenstrahlte. In einer kleinen Festschrift schrieb ich hierüber: "Wie herrlich steht der Tannenbaum dessen Spitze ein Engel ziert, vor uns, hindeutend auf den Stammbaum Christi, dessen Krone der Herr selbst war. Wie hell strahlt der Lichter Menge, sinnbildlich das durch die Geburt Jesu erzeugte Hellwerden unter den Menschen vorstellend. Wie verlockend lachen uns die rothwangigen Äpfel an, an die Vertreibung aus dem Paradies erinnernd! Und siehe! An der Wurzel des Baumes das Christkindlein in der Krippe; umgeben von Josepf und Maria und den anbetenden Hirten! Wie doch jene den Blick voll inniger Zuversicht auf das Kindlein werfen! Möchten doch auch wir uns so ganz dem Herrn hingeben!"— — — Wenn nicht ganz so herrlich, aber doch ähnlich ist das Geburtstagsfest. Aber was ist die Ursache, daß wir nicht so wie am Christfest von Freude durchdrungen sind? Erstens fehlt ganz jene hohe Bedeutung, die dies erstgenannte über alle andern Feste erhebt. Dann aber betrifft es nicht nur uns allein, sondern überhaupt die gesammte Menschheit, Arme und Reiche, Kleine und Große, Niedrige und Hohe. Und gerade diese allgemeine Freude vermehrt unsre eigne Stimmung. Kann man sich doch mit jeden darüber besprechen, sind ja doch alle Menschen gleichsam Mittharrende. Dann beachte man auch die Lage, so daß es, so zu sagen, den Culminationspunkt des Jahres bildet, bedenke man jene nächtliche Stunde, wie überhaupt die Seele am Abend viel erregter ist, und endlich jene ganz ausergewöhnliche Feierlichkeit, mit der dieses Fest geehrt wird. Das Geburtstagsfest ist mehr Familienfest, Weihnachten ist aber das Fest der gesammten Christenheit. Aber dennoch habe ich meinen Ehrentag sehr lieb...

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